terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Como eu descobri que Papai Noel não existia

A história emocionante de como aos 12 anos eu descobri, juntamente com meus irmãos Kádison Rodrigo, que o Papai Noel não existia.

Um verdadeiro conto de Natal 





Até os meus 12 anos acreditava plenamente na existência do Papai Noel. Morei a infância toda no sítio com minha família, e meu pai sempre fez questão de manter a tradição do natal, colocando os presentes sobre nossos sapatos na noite de Natal, fazendo-nos acreditar que era o bom velhinho quem os trazia entrando em nossa casa à noite. Era uma fantasia muito gostosa que dava um sentido todo especial a data. Eu e meus irmãos Kádison e Rodrigo ficávamos tão ansiosos que lavávamos muito bem os sapatos e deixávamos sobre a mesa da cozinha ou no fogão a lenha. Minha mãe relata que o mais ansioso era o Kadinho, ele sequer conseguia dormir e levantava com qualquer barulho que ouvia pela casa na esperança de ver o Papai Noel.




Todas as manhãs do natal, acordávamos bem cedo e era aquela festa, sobre cada sapato estava um presente, felizes, corríamos para a mangueira onde meu pai já estava tirando leite para mostrar a ele os presentes.



Fomos crescendo nessa ilusão, e durante os 12 anos jamais desconfiamos ou duvidamos da existência do velhinho de barba branca. Muitos colegas tentavam tirar da nossa cabeça, mas essas conversas sempre acabavam em discussão, assim como um cristão que confronta com um ateu que nega a existência de Deus. Lembro-me que fazíamos desafios aos colegas da Água da Ipiratininga para que deixassem os sapatos em cima da mesa para observarem o que iria acontecer. Mas eles diziam que eram os nossos pais que colocavam os presentes, ideia que nós rejeitávamos prontamente.

De certo modo, ambos estavam certos, pois na maioria das vezes quem dava os presentes não era nem o Papai Noel e muito menos nossos pais. Na verdade o meu pai não tinha condições de dar presentes, os tempos eram realmente difíceis. Quem gentilmente nos presenteava, na maioria das vezes era a Suely Pavan Barbieiro e seu esposo Bizaia. Todo ano, uns dias antes do Natal meu pai passava na casa deles, que num ato de distinção cedia os brinquedos pra mim e meus irmãos. Meu pai colocava-os dentro de um saco preto e escondia até o dia 25. Outras vezes quem ajudava era a Valentina Moia e o Valdir Lotto. Uma irmã do meu pai também enviava roupas lá de São Paulo.


Nossa família, no sítio onde tudo aconteceu 


Nos anos de 1992/1993, eu já contava com aproximados 13 anos e meus irmãos já contavam com uma idade considerável, naturalmente os parentes não enviaram os presentes ponderando que nós já sabíamos da farsa. Contrariamente, nós não sabíamos, sequer imaginávamos. Meu pai procurou na casa do pessoal e ninguém deu nada. Então ele chegou em casa e disse para minha mãe:

- Olha, esse ano vamos ter que enganar os meninos porque não tem presentes!

Imagina a situação, o dia do Natal chegando e meu pai não tinha nada pra colocar nos sapatos. Até hoje eu não entendo o motivo pelo qual eles não abriram o jogo logo e revelaram a verdade. Penso que ficaram penalizados. A minha mãe até que arriscou dizer a verdade, mas nós fizemos questão de fingir que ela estava brincando. Conforme o dia foi chegando meus irmãos, começaram a dar sinal de que estavam entendendo o esquema. A minha mãe disse que o Papai Noel não viria naquele ano, mas que no outro ano ele viria. Porém a confiança era tão forte e o costume tão impregnado em nós que fizemos tudo conforme os outros anos. Lavamos os sapatos, colocamos sobre a mesa perto do fogão a lenha e fomos dormir com a convicção um tanto abalada, mas acreditando que algo haveria sobre os calçados no dia seguinte. Meu pai assistiu todo esse nosso ritual calado só Deus sabe o que ele sentiu naquele dia.

Amanheceu e meu irmão Kádison como sempre foi o primeiro a levantar-se bem cedinho, o sol nem ainda tinha despontado. Acordei com ele gritando:

- AH!  Eu já sabia que era o pai!

Não entendi o que estava acontecendo na cozinha e nem o que ele tinha achado sobre os sapatos. Mas as palavras fizeram desmoronar em mim toda euforia dos anos anteriores. Foi como se o meu castelo encantado desmoronasse. Levantei-me e fui até a cozinha deparando-me UMA GARRAFA DE TUBAÍNA, sobre os calçados deixados por nós na noite anterior. 

Na época a gente tomava tubaína só uma vez por mês no dia da compra no armazém da cidade, e no Natal cada um ganhava uma só pra ele, o que já era uma grande coisa. Mas daí a servir como presente era demais para uma tubaína. Para confirmar meu irmão contou os refrigerantes que nosso pai tinha comprado para o dia e faltavam justamente 3, obviamente as mesmas 3 que meu pai durante a noite havia tirado da geladeira e colocado sobre os sapatos.

Daí não tinha mais jeito, tanto meu pai quanto minha mãe nos fizeram entender e aceitar aquilo que no decorrer dos anos nos recusamos a acreditar. Meus irmãos levaram tudo com naturalidade, riram, zuaram e obviamente disseram que sempre souberam – depois da onça morta todo mundo quer o couro né! - Mas justamente eu o mais velho, fiquei muito sentido.
Fui para traz do banheiro da nossa casa de tábua e chorei amargamente. Meu irmão ainda me viu chorando, e para variar tirou o maior sarro.


Eu não estava triste por ter sido feito de bobo tantos anos ou por sentir-me enganado, de maneira nenhuma, pelo contrário eu queria é que continuassem me enganando. Eu sabia dentro de mim que a partir do momento em que o Papai Noel deixasse de “existir”, os presentes também deixariam de chegar. Saber que nunca mais eu ia ter aquela sensação gostosa de receber um presente no Natal me deixava arrasado. Por mim que se lascasse o Papai Noel, eu queria os carrinhos, as bolas, os joguinhos, as roupas novas. O problema é que tudo isto estava atrelado ao Papai Noel e aquele infeliz não podia ter “morrido” assim do dia para a noite.

À tarde, depois do almoço, chorei de novo quando no especial da XUXA na rede Globo ela cantou aquela canção:

Deixei meu sapatinho
Na janela do quintal
Papai Noel deixou
Um presente de Natal

Como é que o Papai Noel
Não se esquece de ninguém
Seja rico, ou seja, pobre
O velhinho sempre vem


Pensei: “ Que mentira da gota! É claro que tem um monte de criança pobre esquecida que o velhinho não vem!”



Aquilo que outrora foi para mim revoltante e traumatizante guardo hoje como uma história bonita de pureza e ingenuidade de crianças simples que alegravam-se com as coisas ingênuas da vida. E o exemplo de um pai maravilhoso que mesmo não tendo posses soube transformar a vida dos filhos em um conto de amor e dedicação, e mesmo quando lhe faltou o que nos dar, não teve coragem de nos deixar de mãos vazias.

Anos depois tive um encontro maravilhoso com Cristo, a quem dei minha vida e meu coração. Ele nasceu definitivamente em mim, fazendo da minha vida um “Natal” constante, e a cada manhã a sua misericórdia se renova.

Finalizo esse “conto” real de Natal com um trecho desta conhecida música:   

Meus pais não tinham
Nem escola, nem dinheiro
Todo dia, o ano inteiro
Trabalhavam sem parar

Faltava tudo
Mas a gente nem ligava
O importante não faltava
                                            Seu sorriso e seu olhar      (Utopia – Pe. Zezinho )






4 comentários:

  1. É Kálita.. parece um conto... mas tudo foi real...

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  2. Já tinha ouvido você contar essa história, mas escrita ficou melhor ainda, muito emocionante, lição de vida.

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