A história emocionante de como aos 12 anos eu descobri, juntamente com meus irmãos Kádison e Rodrigo, que o Papai Noel não existia.
Um verdadeiro conto de Natal
Um verdadeiro conto de Natal
Até os meus 12 anos acreditava plenamente na existência do
Papai Noel. Morei a infância toda no sítio com minha família, e meu pai sempre
fez questão de manter a tradição do natal, colocando os presentes sobre nossos sapatos
na noite de Natal, fazendo-nos acreditar que era o bom velhinho quem os trazia
entrando em nossa casa à noite. Era uma fantasia muito gostosa que dava um
sentido todo especial a data. Eu e meus irmãos Kádison e Rodrigo ficávamos tão
ansiosos que lavávamos muito bem os sapatos e deixávamos sobre a mesa da
cozinha ou no fogão a lenha. Minha mãe relata que o mais ansioso era o Kadinho, ele sequer conseguia dormir e levantava com qualquer barulho que
ouvia pela casa na esperança de ver o Papai Noel.
Todas as manhãs do natal, acordávamos bem cedo e era aquela
festa, sobre cada sapato estava um presente, felizes, corríamos para a
mangueira onde meu pai já estava tirando leite para mostrar a ele os presentes.
Fomos crescendo nessa ilusão, e durante os 12 anos jamais
desconfiamos ou duvidamos da existência do velhinho de barba branca. Muitos
colegas tentavam tirar da nossa cabeça, mas essas conversas sempre acabavam em
discussão, assim como um cristão que confronta com um ateu que nega a
existência de Deus. Lembro-me que fazíamos desafios aos colegas da Água da
Ipiratininga para que deixassem os sapatos em cima da mesa para observarem o
que iria acontecer. Mas eles diziam que eram os nossos pais que colocavam os
presentes, ideia que nós rejeitávamos prontamente.
De certo modo, ambos estavam certos, pois na maioria das
vezes quem dava os presentes não era nem o Papai Noel e muito menos nossos pais.
Na verdade o meu pai não tinha condições de dar presentes, os tempos eram
realmente difíceis. Quem gentilmente nos presenteava, na maioria das vezes era
a Suely Pavan Barbieiro e seu esposo Bizaia. Todo ano, uns dias antes do Natal
meu pai passava na casa deles, que num ato de distinção cedia os brinquedos pra
mim e meus irmãos. Meu pai colocava-os dentro de um saco preto e escondia até o
dia 25. Outras vezes quem ajudava era a Valentina Moia e o Valdir Lotto. Uma
irmã do meu pai também enviava roupas lá de São Paulo.
Nossa família, no sítio onde tudo aconteceu |
Nos anos de 1992/1993, eu já contava com aproximados 13 anos
e meus irmãos já contavam com uma idade considerável, naturalmente os parentes
não enviaram os presentes ponderando que nós já sabíamos da farsa. Contrariamente,
nós não sabíamos, sequer imaginávamos. Meu pai procurou na casa do pessoal e
ninguém deu nada. Então ele chegou em casa e disse para minha mãe:
- Olha, esse ano vamos ter que enganar os meninos porque não
tem presentes!
Imagina a situação, o dia do Natal chegando e meu pai não
tinha nada pra colocar nos sapatos. Até hoje eu não entendo o motivo pelo qual
eles não abriram o jogo logo e revelaram a verdade. Penso que ficaram
penalizados. A minha mãe até que arriscou dizer a verdade, mas nós fizemos
questão de fingir que ela estava brincando. Conforme o dia foi chegando meus
irmãos, começaram a dar sinal de que estavam entendendo o esquema. A minha mãe
disse que o Papai Noel não viria naquele ano, mas que no outro ano ele viria.
Porém a confiança era tão forte e o costume tão impregnado em nós que fizemos
tudo conforme os outros anos. Lavamos os sapatos, colocamos sobre a mesa perto
do fogão a lenha e fomos dormir com a convicção um tanto abalada, mas
acreditando que algo haveria sobre os calçados no dia seguinte. Meu pai
assistiu todo esse nosso ritual calado só Deus sabe o que ele sentiu naquele
dia.
Amanheceu e meu irmão Kádison como sempre foi o primeiro a
levantar-se bem cedinho, o sol nem ainda tinha despontado. Acordei com ele
gritando:
- AH! Eu já sabia que
era o pai!
Não entendi o que estava acontecendo na cozinha e nem o que
ele tinha achado sobre os sapatos. Mas as palavras fizeram desmoronar em mim
toda euforia dos anos anteriores. Foi como se o meu castelo encantado
desmoronasse. Levantei-me e fui até a cozinha deparando-me UMA GARRAFA DE
TUBAÍNA, sobre os calçados deixados por nós na noite anterior.
Na época a gente tomava tubaína só uma vez por mês no dia da
compra no armazém da cidade, e no Natal cada um ganhava uma só pra ele, o que
já era uma grande coisa. Mas daí a servir como presente era demais para uma
tubaína. Para confirmar meu irmão contou os refrigerantes que nosso pai tinha
comprado para o dia e faltavam justamente 3, obviamente as mesmas 3 que meu pai
durante a noite havia tirado da geladeira e colocado sobre os sapatos.
Daí não tinha mais jeito, tanto meu pai quanto minha mãe nos
fizeram entender e aceitar aquilo que no decorrer dos anos nos recusamos a
acreditar. Meus irmãos levaram tudo com naturalidade, riram, zuaram e
obviamente disseram que sempre souberam – depois da onça morta todo mundo quer
o couro né! - Mas justamente eu o mais velho, fiquei muito sentido.
Fui para traz do banheiro da nossa casa de tábua e chorei
amargamente. Meu irmão ainda me viu chorando, e para variar tirou o maior
sarro.
Eu não estava triste por ter sido feito de bobo tantos anos
ou por sentir-me enganado, de maneira nenhuma, pelo contrário eu queria é que
continuassem me enganando. Eu sabia dentro de mim que a partir do momento em
que o Papai Noel deixasse de “existir”, os presentes também deixariam de
chegar. Saber que nunca mais eu ia ter aquela sensação gostosa de receber um
presente no Natal me deixava arrasado. Por mim que se lascasse o Papai Noel, eu
queria os carrinhos, as bolas, os joguinhos, as roupas novas. O problema é que
tudo isto estava atrelado ao Papai Noel e aquele infeliz não podia ter
“morrido” assim do dia para a noite.
À tarde, depois do almoço, chorei de novo quando no especial
da XUXA na rede Globo ela cantou aquela canção:
Deixei meu sapatinho
Na janela do quintal
Papai Noel deixou
Um presente de Natal
Como é que o Papai
Noel
Não se esquece de
ninguém
Seja rico, ou seja,
pobre
O velhinho sempre vem
Pensei: “ Que mentira da gota! É claro que tem um monte de
criança pobre esquecida que o velhinho não vem!”
Aquilo que outrora foi para mim revoltante e traumatizante
guardo hoje como uma história bonita de pureza e ingenuidade de crianças
simples que alegravam-se com as coisas ingênuas da vida. E o exemplo de um pai
maravilhoso que mesmo não tendo posses soube transformar a vida dos filhos em
um conto de amor e dedicação, e mesmo quando lhe faltou o que nos dar, não teve
coragem de nos deixar de mãos vazias.
Anos depois tive um encontro maravilhoso com Cristo, a quem
dei minha vida e meu coração. Ele nasceu definitivamente em mim, fazendo da
minha vida um “Natal” constante, e a cada manhã a sua misericórdia se renova.
Finalizo esse “conto” real de Natal com um trecho desta
conhecida música:
Meus pais não tinham
Nem escola, nem dinheiro
Todo dia, o ano inteiro
Trabalhavam sem parar
Faltava tudo
Mas a gente nem ligava
O importante não faltava
Seu sorriso e seu olhar
(Utopia – Pe. Zezinho )
Muito lindo!
ResponderExcluirÉ Kálita.. parece um conto... mas tudo foi real..
ExcluirÉ Kálita.. parece um conto... mas tudo foi real...
ResponderExcluirJá tinha ouvido você contar essa história, mas escrita ficou melhor ainda, muito emocionante, lição de vida.
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